Por Virgínia Silveira | Para o Valor, de São Paulo e São
José dos Campos
A crise econômica nos Estados Unidos e Europa e seus
reflexos no mercado aeronáutico atingem em cheio os fornecedores da Embraer no
Brasil, que já registram uma retração de pedidos da ordem de 20% a 30%. Embora
o mercado aponte para um crescimento da venda de jatos regionais nos EUA nos
próximos meses, a disputa por novos contratos vem ficando cada vez mais
acirrada com a entrada de novos competidores.
Além da Bombardier, com o jato CS-100, a fabricante
brasileira também disputa a preferência dos operadores com o modelo japonês
Mitsubishi Regional Jet, o chinês Comac ARJ-21 e o russo Sukhoi Superjet.
Segundo relatório recente do J P Morgan, esses aviões foram responsáveis por
51% das 430 encomendas líquidas feitas entre 2009 e 2011, contra 19% entre os
anos de 2007 e 2008.
A dependência das encomendas da Embraer, que vem reduzindo o
volume de compra de peças no Brasil, associada à falta de capacidade financeira
para investir em novos projetos e novas tecnologias são apontadas como as
principais causas para a situação crítica que vive a cadeia aeronáutica
brasileira, formada hoje por cerca de 120 empresas. Esse parque emprega em
torno de cinco mil pessoas, segundo Cecomp.
"Como o setor aeronáutico está passando por uma crise e
o ritmo de produção foi reduzido, as empresas têm dificuldades para pagar os
empréstimos já feitos e também para conseguir renegociar as dívidas ou mesmo
para novos recursos", explica um fornecedor da cadeia aeronáutica.
A Graúna, de Caçapava, considerada uma das principais
fornecedoras da Embraer, esteve a ponto de falir e hoje está em processo de
recuperação judicial. O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos
Campos, Edimir Marcolino da Silva, conta que para salvar a empresa o BNDES
comprou 40% do capital, mas praticamente 100% do que a empresa fatura ainda
depende da Embraer.
A empresa chegou a fornecer peças para a fabricante de
motores canadense Pratt & Whitney, mas o contrato não foi adiante.
"Nenhuma empresa da cadeia aeronáutica, que tem grande dependência com a
Embraer, está bem. Até 2010, a Embraer exigia que as suas fornecedoras
dedicassem 70% da produção para a empresa, independente de ter pedidos ou
não", afirma o sindicalista.
A diversificação de atividades, considerada uma das
alternativas para reduzir essa dependência e equilibrar as receitas, vem
apresentando bons resultados, mas ainda para um número reduzido de empresas. É
o caso da Globo Usinagem, que até o ano passado dedicava 80% da sua produção
para a Embraer. "Hoje, estamos em uma situação sustentável, com 65% de
nossas atividades para a Embraer e o restante para os setores automotivo, de
óleo e gás e também exportação", diz o diretor da empresa, Mauro Ferreira.
A Globo fornece peças aeronáuticas estruturais para a
empresa belga Asco e americana Eaton Aerospace, utilizadas na fabricação de
partes dos aviões da Boeing e da Airbus. Para 2013, segundo ele, a meta da
Globo é que o percentual da produção para a Embraer seja de 60%. A empresa se
fortaleceu com investimentos que fez durante a crise. "Aplicamos R$ 6 milhões
em novos galpões e na modernização do parque fabril. Também criamos um setor de
vendas forte para explorar oportunidades no mercado externo", explica o
empresário.
O diretor do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São
Paulo) em São José dos Campos, Almir Fernandes, disse, no entanto, que o case
de sucesso da Globo Usinagem ainda faz parte da lista de exceções da cadeia.
"A maioria das empresas está com parte da produção ociosa e vêm mantendo
as instalações mais enxutas para continuarem no mercado", afirmou.
A Embraer, segundo Fernandes, está comprando em torno de 60%
do que comprava antes da crise de 2008. "As empresas investiram muito para
atender o crescimento da demanda da Embraer, mas a crise derrubou muita gente e
algumas empresas não conseguiram se recuperar", explicou.
A Embraer informou que não tem planos de reduzir a produção
em 2013 e que espera um número muito similar de entregas, ainda que possa haver
um mix diferente de aeronaves em relação a este ano.
O processo de internacionalização da fabricante brasileira,
segundo o Valor apurou, com a recente inauguração de duas fábricas em Portugal
e uma fábrica nos Estados Unidos, também contribui para que a situação da
cadeia aeronáutica brasileira esteja se agravando, tendo em vista que as atividades
desenvolvidas pelas empresas respondem, em média, por 80% das suas receitas.
Os fornecedores reclamam ainda da falta de um posicionamento
mais firme do governo, que não começou a colocar em prática uma política
industrial bem definida para exigir e viabilizar, por exemplo, uma maior
participação da cadeia aeronáutica na fase de desenvolvimento de projetos
financiados com recursos públicos, como o do cargueiro militar KC-390. A
previsão é que o desenvolvimento da aeronave absorva US$ 2 bilhões em investimentos.
O Ministério da Defesa explica que, nos casos em que foi
possível, foram selecionadas empresas nacionais para o fornecimento de alguns
sistemas estratégicos do KC-390. "Há casos em que não há empresas
nacionais capacitadas a fornecer os sistemas, como por exemplo, os motores,
aviônica e sistema de lançamento de cargas", respondeu o ministério.
Sobre os planos da Embraer para a produção de peças do
KC-390 em Portugal, Argentina e República Tcheca, o presidente da divisão de
Defesa e Segurança da empresa, Luiz Carlos Aguiar, explica que ela representará
uma parcela mínima do volume total previsto para o programa. "Fizemos isso
para garantir a venda externa do avião, porque esses parceiros, que também
participam da fase de desenvolvimento, assinaram um compromisso de aquisição
das aeronaves", afirmou.
Aguiar lembra ainda que a República Tcheca e Portugal são
países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Nato) e por conta
disso o KC-390 já é mencionado no catálogo da entidade como um dos produtos de
referência no segmento de cargueiros. "É importante lembrar que se não
houver venda internacional do KC-390, ele não vai trazer os royalties,
impostos, divisas e empregos na produção no Brasil", ressalta.
Mesmo nos casos de compra de componentes importados, segundo
a FAB, o programa do KC-390 terá acordos de offset (que envolvem compensações
comercial, industrial e tecnológica) com fornecedores de diferentes países.
Atualmente, a FAB informa que estão em negociação 14 acordos relacionados ao
programa do KC-390, sendo que um deles diz respeito aos sistemas aviônicos, que
serão desenvolvidos em parte no Brasil pela fabricante AEL Sistemas.
Valor, 22 de novembro de 2012
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