Ao longo de quase três décadas, desde o fim dos governos
militares, as Forças Armadas têm visto seus orçamentos...
Ao longo de quase três décadas, desde o fim dos governos
militares, as Forças Armadas têm visto seus orçamentos minguarem e seus
projetos serem engavetados. Enquanto a causa da defesa ficou restrita a
argumentos de ordem militar, foi relegada, pela falta de ameaças e de inimigos
e pelas necessidades mais prementes do País. Isso está mudando. Os militares
adotaram outra estratégia: seus projetos passaram a ser orientados para o
desenvolvimento da tecnologia e da indústria no Brasil, o que possibilitaria
exportar armamentos, gerando empregos e divisas. A defesa deixa de ser um gasto
para se tornar investimento.
Essa nova narrativa fez sentido para a presidente Dilma
Rousseff, influenciada pelo pensamento nacional-desenvolvimentista. O momento
também ajuda: a economia brasileira tem crescido nos últimos anos e o País
tenta projetar-se como jogador global. Um dos eixos da Estratégia Nacional de
Defesa, aprovada por decreto em dezembro de 2008, é exatamente o fortalecimento
da indústria nacional. A partir daí, as Forças Armadas deram roupagem econômica
a seus programas, enfatizando a redução de perdas causadas pelo crime
organizado que a proteção das fronteiras pode proporcionar e os ganhos
potenciais de uma indústria da defesa.
A escolha da Embraer para a execução da primeira fase do
Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), anunciada há três
semanas, parece a aposta mais audaciosa já feita pelo Exército nessa direção.
Orçado em R$ 12 bilhões, o Sisfron cobrirá uma faixa de 150 km de largura ao
longo da fronteira de quase 17 mil km, com radares e satélites que enviarão os
dados para Brasília. O Estado obteve a planilha com a pontuação recebida pelas
propostas dos sete consórcios classificados para a concorrência. O documento,
assim como todo o processo de escolha, é tratado com sigilo pelo Exército, que
pela lei não é obrigado a fazer licitações públicas. Os envelopes não foram
abertos na presença das empresas.
O consórcio escolhido não foi o que apresentou o menor
preço. A proposta da Embraer tem o custo de R$ 844,75 milhões, um pouco mais do
que a da Synergy, de R$ 836,66 milhões. Embora tenha apresentado o menor preço,
a Synergy ficou em quarto lugar na pontuação geral. Isso por causa da pontuação
técnica, na qual a Embraer obteve mais que o dobro do segundo colocado, um
consórcio entre a construtora Andrade Gutierrez e a francesa Thales Radares e
Sensores: 734 a 294. Outras três construtoras brasileiras, a Odebrecht, a
Queiroz Galvão e a OAS, também concorreram, associadas a multinacionais da área
de sensoriamento, e suas pontuações técnicas também estiveram abaixo de 300. A
Synergy teve 24 pontos e a OAS, 0.
"As exigências dos Índices de Conteúdo Nacional estão
coerentes com os princípios da Estratégia Nacional de Defesa e da Lei
12.598/2012, que priorizam o fomento da indústria nacional de defesa e a
geração de emprego e renda no País", afirmou o Exército, em nota ao
Estado, ao explicar os
critérios da pontuação técnica.
O perfil da Orbisat, fabricante de radares comprada pela
Embraer no ano passado, é emblemático da nova política. A empresa foi fundada
em 1998 pelo engenheiro João Moreira, formado pelo Instituto Tecnológico de
Aeronáutica (ITA), da Força Aérea Brasileira, depois que ele voltou da
Alemanha, onde fez doutorado. A Embraer manteve Moreira como diretor técnico e
com 10% da empresa, que enfrentava dificuldades financeiras.
A Orbisat, que começou com modestos receptores para TV via
satélite, desenvolveu radares para o Exército, capazes de "enxergar"
debaixo das copas de árvores da Amazônia. A empresa está fornecendo ao Exército
11 radares antiaéreos e 6 comandos de operação de artilharia antiaérea, um dos
7 projetos estratégicos da força terrestre.
Candidatos ao Sisfron disseram ao Estado terem ouvido que os
radares teriam de ser fornecidos pela Orbisat. O Exército nega: "O
processo de dispensa de licitação em curso estabeleceu as especificações
técnicas dos equipamentos, sem alusões a marcas ou fabricantes." Outra
empresa da Embraer, a Atech, fez um estudo que serviu de base para a montagem
do projeto. A Embraer garante que isso não a favoreceu, porque o Exército
acrescentou todas as especificações e o estudo da Atech ficou disponível para
os concorrentes.
Uma fonte do mercado observa que cerca de 80% dos radares
usados no Brasil foram fornecidos pela antiga Thomson, rebatizada de Thales -
com zero de transferência de tecnologia para o País. "Não vamos apenas
produzir no Brasil; vamos desenvolver no Brasil", salienta Luiz Carlos
Aguiar, presidente da Embraer Defesa e Segurança, a divisão do grupo criada em
janeiro do ano passado com o objetivo de expandir os negócios da área de aviões
militares para as forças terrestre e naval. "Nosso diferencial decisivo é
o desenvolvimento de tecnologia nacional, além do preço."
Para Aguiar, as duas coisas estão interligadas. Na visão
dele, as concorrentes europeias e americanas, premidas pelos cortes nos gastos
de seus governos mergulhados na crise econômica, buscam mercados como o
brasileiro com preços muito altos para tentar cobrir os altos investimentos que
fizeram. E encaram o Brasil apenas como mercado, não como plataforma de
exportação. "Nosso DNA é esse: exportar", compara o executivo da
Embraer, que vende aviões para mais de 40 países.
A primeira fase colocará a cobertura dos radares na região
de Dourados, Mato Grosso, fronteira com o Paraguai, e o envio dos dados para o
comando do Exército em Brasília. O Exército adverte que o contrato ainda está
em negociação com a Embraer. Mas a empresa se mostra segura não só de que vai
executar a primeira fase, como de que tem chance de ser escolhida para as
outras também.
Fonte: Lourival Sant'Anna,
estadao.com.br, 15 de setembro de 2012
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