segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tecsis volta a equilibrar as contas após reformas


O ano de 2012 vai fazer história na Tecsis, segunda maior fabricante de pás para turbinas eólicas do mundo. A companhia voltou a ter margens operacionais positivas, o que marca sua recuperação após uma reviravolta nos negócios. O ano terminará também com lucro. Fundada em 1995 pelo engenheiro aeronáutico Bento Koike, a empresa quebrou em 2010, obrigando o fundador a buscar sócios para trazer capital e a ter de aceitar ser minoritário em sua criação.

A virada exigiu da nova gestão - liderada pela butique financeira Estáter - mais do que a redução da dívida. Foi preciso planejamento para reformar os processos de gestão e a operação fabril. Mas tudo sem mexer na tecnologia e na arte por trás do trabalho, que já garantiam a credibilidade do produto.
Arte, conforme a definição número 1 do Aurélio, é a "capacidade que tem o ser humano de pôr em prática uma ideia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria".

E pode também facilmente ser sinônimo para o trabalho diário - e em três turnos ininterruptos - da maioria dos sete mil funcionários da companhia, que funciona em diversas plantas em Sorocaba, no interior de São Paulo.

Eles traduzem a tecnologia por trás da transformação do vento em energia num produto em que tudo é no superlativo. Em contínuo crescimento, as pás eólicas atuais tem 50 metros de comprimento e pesam nove toneladas. Há 20 anos, mediam 15 metros. E já existem estudos com pás de 80 metros.

O gigantismo do produto, contudo, não diminui a necessidade de delicadeza. Depois de passar pelas mãos de 180 trabalhadores, o resultado não pode ter mais do que dois milímetros de desvio.

Nas fábricas da Tecsis quase não há máquinas. Tudo é cuidadosamente feito pelas mãos humanas. Camadas e camadas de fibra de vidro, resina, madeira balsa e, mais recentemente, carbono. Por fim, cola-se a alma da pá, uma estrutura transversal que une as duas metades do casco, e é essencial no trabalho de dar vida ao vento.

Foi com esse cuidado de artista que Koike fundou a Tecsis. Afinal, o engenheiro é o artista a serviço do conforto, explica também o Aurélio. "Engenharia: arte de aplicar conhecimentos científicos na criação de estruturas que atendam às necessidade humanas."

Como bom engenheiro - ou artista, Koike se concentrava mesmo era no resultado da obra, e o resultado do negócio acabou em segundo plano. Tudo na companhia passava por suas mãos. Da produção ao posicionamento estratégico. Dos contratos com clientes aos negócios com fornecedores. Até que a própria empresa ficou grande demais para um homem só.

O ápice dos problemas - e do descontrole - veio com a descoberta de perdas de R$ 280 milhões com derivativos cambiais em 2008 (os mesmos que quebraram Sadia e Aracruz), o que dobrou a dívida da empresa. Daí para frente, tudo ficou mais difícil e os vencimentos só aumentaram. Aos mesmo tempo, as receitas despencaram com o cancelamento de pedidos por conta da crise global.

Do ponto de vista gerencial, a Tecsis, uma companhia de quase 20 anos, era praticamente uma 'start-up' quando os novos controladores chegaram, em junho do ano passado. A Estáter, de Pércio de Souza, ficou com o papel principal na condução dos negócios e, por isso, o empresário e financista assumiu a presidência do conselho de administração. A butique financeira reuniu os investidores que ficaram com o controle, juntando no grupo Unipar e BNDES.

A Tecsis de 2012, o primeiro ano completo dos novos controladores, terá lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) de pelo menos US$ 70 milhões - US$ 12 milhões no primeiro semestre. Uma virada e tanto partindo dos US$ 130 milhões de Ebitda negativo (US$ 100 milhões recorrentes) de 2011.

A companhia é hoje um negócio de US$ 700 milhões de receita anual - o dobro dos US$ 350 milhões de 2011. Assim, a margem ficará em torno de 10% - considerada baixa para um negócio de alto valor agregado.

Quando o fundador finalmente foi pedir ajuda em 2009, a Tecsis vivia momentos antagônicos. Tinha alcançado credibilidade suficiente para vislumbrar novos clientes, além da GE, mas estava com as finanças em frangalhos.

A empresa fechou 2010 com o patrimônio líquido negativo em R$ 431 milhões. A dívida havia alcançado R$ 730 milhões. Com o encolhimento dos pedidos, o quadro de funcionários foi reduzido a 2,5 mil - um terço do atual.

As contas tiveram um alívio já no dia seguinte à capitalização de R$ 760 milhões, feita no meio do ano passado após um ano de negociações. Do total, R$ 533 milhões eram dívidas convertidas em capital por bancos credores - que ficaram com ações preferenciais. Além disso, R$ 227 milhões em dinheiro foram injetados no negócio pela Estáter, Unipar e BNDES - que ficaram com as ações ordinárias.

Neste ano, após os ajustes iniciais e mais severos, além do Ebitda positivo - que exclui as despesas financeiras - a expectativa é que a companhia também já tenha lucro, na linha final do balanço: US$ 35 milhões para começar ou 5% de margem líquida.

Colocar a casa em ordem, criar processos e modificar a estrutura administrativa fizeram a companhia passar de uma produção de 10 a 12 pás ao dia para 30.
A Tecsis pôde, enfim, receber novos clientes. Hoje atende, além da GE, Alstom, Gamesa, Impsa e Siemens. Neste ano, produzirá 5,5 mil pás, 75% mais do que em 2011. Durante a semana, saem por dia 45 pás de Sorocaba em direção ao litoral - 39 para Santos e seis para Paranaguá. O transporte é feito à noite, para poupar o trânsito.

Em 2010, Pércio recebeu Koike por recomendação de Carlos Alberto (Beto) Sicupira. O fundador da Tecsis e um dos donos da Anheuser-Busch InBev se conheciam da Endeavor, organização de fomento ao empreendedorismo.

"A empatia foi imediata", relembra Pércio. "Além de representar um grande desafio, era uma empresa inovadora em um setor ainda em desenvolvimento e que não representava conflito de interesses para potenciais transações de M&A [fusões e aquisições]. Vimos que tinha um DNA bom, de inconformismo, de inovação. E isso não se ensina, não se recria. Por isto nos interessamos em ir além da assessoria e investir na companhia".

O fundador da Estáter, conhecido por desatar o nó das petroquímicas e do setor de celulose, além de ser a mente financeira por trás de Abílio Diniz (do grupo Pão de Açúcar), dedica hoje entre 30% e 35% de seu tempo de trabalho à Tecsis. É mais do que julga ideal para o longo prazo, mas já estava previsto esse esforço inicial.

Quando a nova gestão assumiu, além de um conselho de administração com sete membros (veja composição completa abaixo), foi instalado também um comitê de supervisão, encarregado de acompanhar passo a passo os negócios.

O primeiro passo sobre a rotina da empresa foi constituir uma nova diretoria, com cinco membros motivados também por remuneração variável baseada em metas.

Koike, mesmo presidente, já não decide os rumos da Tecsis sozinho. "Está sendo um desafio pessoal. Nunca tive chefe. Ainda estou buscando como posso agregar mais valor nesse formato." Ele está aprendendo, ao mesmo tempo, a confiar em outros executivos e a consultar o comitê de supervisão antes da última palavra. Esse comitê é formado por dois membros da Estáter e o representante da Unipar no conselho. Semanalmente, eles se reúnem com a diretoria, numa agenda prevista para durar até junho de 2013.

O fundador agora concentra a sua energia nos produtos e na análise do mercado. Pode dedicar-se com exclusividade ao seu talento de artista.

Pércio acompanha tudo, da arte aos números. Quando necessário, se envolve em negociações com clientes e fornecedores. Também engenheiro (civil), o financista tem uma identificação pessoal e de formação com Koike e, apesar das diferenças de personalidade, a dupla tem química. O motor diário de ambos é o mesmo. O fundador da Tecsis fala na "inquietude" de buscar o melhor produto. O novo sócio chama isso de "inconformismo", o hábito de não se contentar com as primeiras soluções.

"Para começar, quando chegamos, tivemos que fazer um duro movimento de revisão de preços", lembra Pércio, veterano negociador, acostumado a conversas difíceis. "Não foi fácil. Os clientes não aceitaram de primeira. Mas não tínhamos como fazer com os preços do passado." Além disso, havia muita desorganização.

O sistema Toyota, Lean Manufacturing, está sendo implantado para ampliar a eficiência. Marcos Santana, diretor de produção, diante de uma fábrica com muita gente, mas pouca movimentação, conta durante visita do Valor, que nem sempre foi assim. "Era cheio de gente para lá e para cá. Quem colocava o material no molde, buscava no armazém."

Valor Econômico, 17 de setembro de 2012. Por Graziella Valenti, de Sorocaba.

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