segunda-feira, 15 de outubro de 2012

'É preciso valorizar os investimentos em inovação'



O Estado de S. Paulo
Desafios Brasileiros – Competitividade
Cristina Alves, O Globo
15 de outubro de 2012


Entrevista com Glauco Arbix, Presidente da FINEP.

Hoje, são investidos 1,2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento; é preciso, pelo menos, triplicar isso em 10 anos
 
À frente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), uma empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o professor e pesquisador Glauco Arbix dá a receita para um Brasil competitivo: fazer os jovens gostarem de ciência e matemática e investir mais em áreas nobres, de ponta. Só assim, o País poderá brigar por mais mercado, como fazem China e Índia, avalia o professor. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual o balanço que o sr. faz de pouco menos de dois anos à frente da Finep?

Ao aceitar o convite do ministro (Aloizio) Mercadante, tinha na cabeça a ideia de que a Finep deveria ocupar um lugar fundamental na consolidação do sistema nacional de inovação. Temos de aumentar a taxa de investimento, que é de 18% a 19% do PIB. Assim, vamos sustentar o crescimento econômico, gerar emprego e renda, melhorar a vida das pessoas. Mas é preciso zelar para que esse investimento chegue às áreas críticas da economia, que geram maior valor e que permitam ao Brasil se ligar às cadeias globais mais relevantes, para gerar emprego de qualidade, criar uma engenharia mais sofisticada, mais físicos, químicos, matemáticos.

O que é preciso para chegar lá?

Para isso, é preciso colocar uns R$ 40 bilhões do setor público em ciência, tecnologia e inovação. Isso é praticamente o que o setor público e o empresarial, juntos, investem hoje: 1,2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Precisaria, pelo menos, triplicar isso em 10 anos. A Finep tem de multiplicar por cinco, seis vezes o seu orçamento. Hoje, ela investe R$ 7 bilhões, R$ 8 bilhões.

Como a Finep está fazendo para levantar mais recursos?

Estamos encontrando outras fontes de recursos, mesmo com as restrições fiscais, que atingem principalmente o FDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Graças a um posicionamento muito claro, em especial da presidente Dilma, encontramos abrigo no Tesouro Nacional, no PSI (Programa de Sustentação do Investimento).

Quanto a Finep está investindo?

Conseguimos cerca de R$ 4 bilhões e, no mês passado, uma suplementação do Tesouro de R$ 3 bilhões. Então, temos cerca de R$ 7 bilhões para este ano, divididos em não reembolsável para universidades, não reembolsável para empresas (capital semente), crédito e subvenção econômica (fundo perdido) para as áreas de alto risco tecnológico). E este é o mais precioso investimento que a Finep tem porque é um recurso que vai e não volta, mas trabalha-se com contrapartida. Se a gente coloca R$ 1, a empresa coloca R$ 1 ou até mais. Para encorajar as empresas a investirem em alto risco, investimos cerca de R$ 500 milhões/ano na subvenção econômica. Esse valor tem de subir.

Recentemente o governo lançou o Inova Petro. Há outros projetos assim saindo do forno?

O Inova Petro foi a segunda experiência nossa. A primeira foi no ano passado, lançada no BNDES. O projeto de Paiss, voltado para o etanol de segunda e outras gerações. O Brasil é muito competitivo no etanol de primeira geração, mas estamos disputando com o mundo inteiro o etanol de segunda geração, de base celulósica. Em 2011, abrimos um edital para projetos no valor de R$ 1 bilhão. A demanda foi de R$ 14,7 bilhões. No caso do Inova Petro, o foco é o pré-sal: são R$ 3 bilhões, com R$ 150 milhões de subvenção. A prioridade é o downhole, dentro do furo da perfuração, nas áreas de exploração e a prospecção de petróleo. Hoje, esse mercado é dominado por multinacionais de tecnologia, como a Halliburton.

E na área ambiental?

Na Rio+20, o ministro (de Ciência e Tecnologia, Marco Antônio) Raupp lançou o Brasil Sustentável, de R$ 2 bilhões. A própria presidente Dilma deve lançar o edital neste semestre. Vamos apoiar projetos de ônibus com célula de hidrogênio desenvolvidos pela Coppe, outros de smart grid. E vamos também atuar na área de saúde e aeroespacial. No caso da saúde, o alvo são equipamentos médicos, fármacos, medicamentos. Na área aeroespacial, são projetos de combustíveis líquidos e sólidos, propulsores.

Por que as empresas brasileiras investem tão pouco em inovação?

Como pesquisador, posso dizer que tivemos uma economia fechada por décadas, com competição controlada e diminuta, em que o objetivo básico era a industrialização pesada, com tecnologias voltadas para consumo. O automóvel, por exemplo, estava fora do Plano de Metas de Juscelino. Começou como um adereço e acabou permitindo ao Brasil ser mais contemporâneo.

Há um problema cultural?

Quando você está mais preocupado com o mercado interno, em fazer a industrialização pesada, a compra de tecnologia acaba sendo a opção mais barata. O desenvolvimento tecnológico é custoso. Em decorrência disso, não tenho qualidade. Minhas universidades formam número reduzido de engenheiros.

É mais negócio pedir proteção de mercado do que buscar parceria para inovar?

É. Aquele que foge da competição acaba encontrando um refúgio no protecionismo.

O Brasil tem como recuperar o tempo perdido e chegar de igual para igual com competidores como China e Índia?

Não tenho dúvida. Do contrário, não estaria aqui. Não há razão nenhuma para não acreditar. Raríssimos países têm uma Embraer, uma Petrobrás. A China investe 1,6% em pesquisa e desenvolvimento. É muito mais do que nós? Porcentualmente, não. O nosso é 1,2%. Do ponto de vista de volume, claro, a distância é gigante porque o PIB deles é bem maior. A China construiu uma indústria automobilística em dez anos, por exemplo. Ou seja, é possível. Mas o Brasil tem outras vantagens: é um país democrático, a China não é. Claro que eles executam as mudanças mais rapidamente, mas do ponto de vista da longevidade das mudanças prefiro o Brasil. Em Xangai, a renda per capita é de US$ 3 mil, US$ 4 mil. Se você vai a 20km de Xangai, vai a comunidades em que a renda é de US$ 300 por ano. É um choque. E o chinês também está vendo isso. A matriz energética da China tem mais de 50% de carvão. O Brasil tem a matriz mais limpa do mundo, tem 49% das terras agricultáveis. A China tem 9%. Você tem de dar de comer a esse povo.

E a Índia?

A Índia investe 1,4% em P&D, pouco mais do que nós. É um país democrático, mas é institucionalmente desestruturado e não é só porque tem regiões tomadas pela guerrilha, por causa de uma geopolítica diferente, com Paquistão, Rússia, China, e tem de desenvolver uma corrida armamentista de outra natureza. Mas não tem inclusão da sua população no sistema institucional.

Por que o Brasil não consegue qualificar sua mão de obra para ser, de fato, competitivo?

Se a gente não tiver gente qualificada, não vai para a frente, não gera conhecimento. Uma boa parte dos alunos abandona os cursos diante dos desafios da matemática, da física, porque não conseguem acompanhar o curso. Há contas de que o Brasil precisa de algo como 200 mil engenheiros só para o pré-sal. E hoje o País forma, por ano, 70 mil para todos os tipos de engenharia. É preciso despertar nas crianças, nos jovens, o interesse pela ciência e remunerar bem esse profissional no futuro.


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